Maria Rosa Bernardeli: guerreira de sofrimentos e alegrias ensina segredos da força da vida
Michelli Bernardeli
5 período de Jornalismo
Foto:Michelli Bernardeli
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Voz calma, pele macia, olhar bondoso... Assim é Maria Rosa Bernardeli, uma mulherque uniu a arte e a fé em Deus para conseguir vencer os obstáculos da vida. Por fora uma guerreira. Por dentro uma vida cheia de alegrias e sofrimentos. Com os olhos cheios de lágrimas, conta sua história de maneira comovente tocando o nosso coração e, principalmente, a nossa alma.
Numa tarde de sol e calor de novembro, Maria Rosa, aos 70 anos de idade, senta em um sofá que fica no quarto onde dorme. Em toda a casa existem quadros, retratos, imagens de santos, rosários e muita lembrança. A televisão está ligada no canal religioso Rede Vida. A partir daqui já se sabe que a história será comovente.
Segundo Maria Rosa, que nasceu em 21 de agosto de 1933, em Sacramento, perdeu o pai com apenas sete anos. A mãe Mariana Cândida, após a tragédia teve um problema nas pernas em que acabou ficando numa cadeira de rodas. "Minha irmã e eu cuidamos de outros irmãos mais pequenos; fui mãe desde os oito anos de idade e tinha irmã de meses de idade", conta. "Gente, eu tenho medo que a Mariana morra e eu tenha que ficar com os filhos todos", relembra das palavras do saudoso pai. Porém, a mãe foi mais forte.
Após alguns anos, relata Maria Rosa, o irmão mais velho, Valdemar Santana, mudou-se para uma fazenda perto do município de Canápolis (a 250 Km de Uberaba- MG). Sua situação econômica foi melhorando e Valdemar resolveu levar a família de Sacramento para a fazenda. Maria Rosa já tinha seus 16 anos, e a mãe ainda estava na cadeira de rodas.
De acordo com Maria Rosa, quando chegou à fazenda Córrego dos Bois, conheceu Valtercides Bernadelli, o Santo. Começaram a paquerar e, após algum tempo, Santo pediu o pai Tunico (que na época morava em Conquista —MG) para casar com Maria Rosa. "Depois de uma semana fiquei sabendo que era noiva", relembra. "Tunico pediu meus irmãos mais velhos, Valdemar e Lindomar, para eu poder casar". Passaram-se 3 anos para o casamento acontecer. Maria Rosa já com 19 e ele, 17 anos. Então a idade do Santo teve que ser aumentada para haver a união (pois naquela época, na região rural era comum os pais só registrarem os filhos na hora do casamento). "Casamos em Ituiutaba no dia 27 de abril de 1950, na Catedral de São José", disse.
Maria Rosa e Santo, agora casados, mudaram-se para a fazenda vizinha, Cabaçal. Enquanto ela fazia comida para os peões, ele trabalhava com a agricultura. Às vezes, relembra Maria Rosa, a mãe Mariana dormia junto com eles na cama. "Meu marido gostava muito dela", conta. "Quando minha sogra ficar ruim, Maria, eu que vou ficar com ela no hospital e eu que vou cuidar", dizia Santo.
Após onze meses a boa notícia: a gravidez da primeira filha, Rosa Maria. Anos depois Maria Rosa teve mais quatro filhos: Vilma, Valdemar, Valdair e Vilson; todos de parto normal com a ajuda da parteira. "Cada filho que nascia, o Santo soltava foguete", relata. "E ele comprava escondido sem eu saber e fazia aquele maior foguetório".
A vida em família continuava tranqüila. Segundo Maria Rosa, ela e o marido tinham uma viola e eles faziam os meninos dormirem com música caipira até cerca de meia-noite. Eles cantavam e tocavam. Por ter esse dom, Santo começou a participar da folia de reis, aproximadamente onze anos depois do casamento. Todo Natal passava fora de casa acompanhando a folia por muitos lugares.
Santo ficou doente. Um tumor no cérebro começou a acabar com a vida dele. Então teve que abandonar a folia de reis e, de acordo com Maria Rosa, decidiu comprar um presépio. "Eu vou te dar o presépio", disse ele. Faziam um rancho de capim na sala. As casas e a igrejinha eram de papelão. Depois faziam casas de argila. "Como não existia Igreja na fazenda, a vizinhança rezava lá em casa", lembra. A festa era boa com direito a quitandas, café e o terço cantado.
A saúde de Santo ia piorando aos poucos. Por isso, decidiu comprar uma casa na cidade para os meninos poderem estudar. "Ele registrou se não tínhamos perdido a casa", relembra Maria Rosa. A família viveu na cidade por cerca de três anos. Santo não suportou e morreu no hospital, em Uberaba.
O choque nos filhos e na esposa foi grande, porém ela tinha que ter forças para ajudá-los, pois ainda eram novos. O filho caçula, Vilson, tinha apenas nove anos. A dor e o desespero na família foi grande. "Maria, minha vida está terminando, mas você nunca vai deixar de ser minha. Se Deus quiser. Eu sei que vou deixar uma mulher no mundo", conta Maria Rosa, com saudades e olhos cheios de água, das últimas palavras do grande amor de sua vida.
E a vida continua. Segundo Maria Rosa, era impossível ter outro homem em sua companhia. "Acha que eu iria ter cabeça para outro homem? Era impossível", fala. O tempo passou, ela os filhos trabalharam. Todos formando e casando e cada um com sua família. Quando o último filho formou e casou, Maria Rosa ficou sozinha em casa.
Depois de alguns anos, Maria Rosa passou por mais uma perda. A mãe Mariana faleceu no ano de 1979.
Assim pensou em começar a fazer coisas para passar o tempo e se livrar da solidão. Primeiro pegou a fazer colchas, tapetes e almofadas de retalhos. "Lembro que pequenininha ia à casa da minha avó e quando chegava lá, ela estava fazendo novelos de retalho", fala a neta estudante Juliana Paula Bernardeli. "Hoje ainda tenho muitas dentro da caixa", disse Maria Rosa.
"Sempre tive a cabeça virada para a arte". De acordo com ela, a vontade de pintar era grande. Começou com tinta guache. Foi aprendendo, aprendendo, passando por cima dos desenhos até que desenvolveu o dom. Agora pinta qualquer caso da televisão e até os próprios sonhos. Às vezes quando se chega na casa de Maria Rosa, encontra-se ela pintando as obras de arte. Manda emoldurá-las e coloca nas paredes. E ainda tem os que ela dá de presente para a família e as amigas.
Para lembrar do saudoso Santo, Maria Rosa assiste aos jogos do Vasco da Gama, a grande paixão do marido. Todos os cinco filhos e quase todos os netos são torcedores do time. "Papai fez com que gostássemos do Vasco", relata o filho jornalista Valdair Bernardeli. "Quando papai começou a torcer, o time era muito bom. Na época, seis de seus jogadores formavam a seleção brasileira de futebol", diz. Em quase todos os jogos do Vasco, os três irmãos assistem juntos.
Maria Rosa também se apegou à fé em Deus para sobreviver à perda do marido. Faz 22 anos que viaja para Aparecida do Norte, interior de São Paulo, em excursões. No começo viajava todo mês de dezembro, agora vai em julho também. "Gosto de ir a Aparecida porque tudo inspira em Deus, fala em Deus; é a coisa mais linda", disse. Segundo Maria Rosa, quando ela se apegou mais à religião católica, começou a aceitar a perda do Santo. "Ficava preocupada em saber onde ele estava", conta. Diariamente assiste a missa na televisão, vai a Igreja e reza cerca de quatro terços. "Eu não durmo sem a missa", fala. As imagens dos santos estão em todo lugar: na sala, na cozinha e no quarto.
O presépio continua até hoje. Maria Rosa monta na copa a história que o marido começou. Tudo que ele havia comprado, ainda existe. Só que ela acrescentou fazendo novas aquisições em suas viagens e em lojas especializadas. Sem contar as peças que produziu. A igrejinha feita de papelão anos atrás, atualmente é coberta com conchas do mar. Várias casinhas são feitas com argila. Tudo obra de Maria Rosa. Tudo em cima da mesa, com um pano azul servindo como céu e ao fundo a réplica da gruta com menino Jesus, Maria e José. Um sino está pendurado para avisar que é o momento do nascimento. O presépio é montado no começo do mês de dezembro e desmanchado no fim de janeiro. Diariamente, domingo a domingo, o terço acontece exatamente às 15h. Antes Maria Rosa rezava o tempo todo ajoelhada, mas com a idade, não consegue mais.
À tarde, cerca de 17h, sente-se um cheirinho bom de sopa quentinha. Sempre caridosa Maria Rosa costuma fazer sopa com o resto de comida que sobra do almoço. Talvez se imagina que é para ela, mas não. É para uma amiga carente que tem um filho, que é dada a sopinha. "A cumade — como ela chama a amiga — é muito pobrezinha e não tem o que comer", conta Maria Rosa.
Os anos vão se passando e Maria Rosa vai perdendo os irmãos. Na hora de dar a notícia, os filhos procuram ter a maior cautela para contá-la. Porém ela vira e diz: "já tive muitas grandes perdas na minha vida, parece que já estou até acostumada. Já sofri demais nesta vida".
Porém, com todos os problemas, Maria Rosa parece ser uma pessoa feliz. Encontrá-la cantando é normal: músicas da Igreja ou as músicas caipiras, sim, aquelas que ela entoava ao lado do Santo. Nesta hora a saudade aperta. Ainda tem onze netos para enchê-la de esperança. "Eu vou ser bisavó!", conta para a neta estudante Micheli Bernardeli. O primeiro bisnetinho, da neta Denise Bernardeli Custódio, também estudante, chega ao mundo em março de 2004. Com fé e esperança Maria Rosa quer continuar a caminhada relembrando a vida e curtindo o futuro. "Quando os dentes caem a garganta abre. A palavra vale prata, o silêncio vale ouro", finaliza com palavras da querida mãe.
Hoje Maria Rosa, já acostumada aos meandros da vida, vive feliz, na casa nova que ganhou de presente do filho Valdair. É cercada de carinho por todos os familiares. Vive a vida como ela gosta, e se diz uma pessoa feliz.
Sim, com certeza, aquela é uma pessoa feliz, daquelas que olham para trás e vêem que a vida foi e está sendo bem vivida.
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